queimar solda,


Em pequena usei o lenço, pouco me interessava seu significado ou importância, usava-o e desfilava as ruas nos dias de festa. Na altura pensava que toda a vestimenta era feia e só me lembro do desconforto de subir as capelas e ter de sorrir com todas as outras pessoas que desfilavam, pois tinhamos a cidade toda a ver o cortejo passar. Hoje olho e penso como esta tradição tão banal pertence em todas as figuras femininas da minha familia, e penso o peso desta.
Questiono-me como eu, o meu corpo a desfilar, sem voz, a caminhar, a ser bonita.
O diabo figura mitológica que, em várias culturas representa o mal, demonstra os valores que não podem ser tidos. Na igreja católica vive da representação dos cornos, o diabo do figurado português vem da vaca. Esta representação realizada pela arte popular ganha pelas semelhanças, acessórios e vestimentas vistas femininas, os brincos, as coroas de flores e a sua anatomia. Ligo com a história dos diabos e as bruxas, estes diabos diziam-se apoderar-se das mulheres solteiras, bisbilhoteira. A mulher que não compreendia a imagem que era imposta pela sociedade em que estava inserida. O diabo e o feminino ligam-se sempre na sua história.
O que se apodera de, ou a mulher que nele se torna.

O ser humano aprendeu a armazenar como uma forma de sobrevivência. Ursula de Leguin fala sobre como o “container” foi um elemento importante para o avanço da humanidade, pois a partir deste, conseguia alimentar-se em dias que não era possivél ir à caça.
A olaria foi uma das formas de materializar os espaços de armazenamento, através de àgua, terra e fogo cria-se a cerâmica. Construiam-se objetos que a sua utilidade era de manter e reservar. Por consquências sociais, manter, reservar e toda a atividade envolvente ao doméstico ligam-se ao feminino. A olaria e a sua utilidade, o feminino e a sua vista função num espaço heteronormativo tradicional.
O figurado apareceu nos espaços de sobra dos fornos, materializando-se em forma de paliteira ou apitos. Era compreendido como um brinquedo para crianças Encontrava-se narrativas ingénuas,a representação dos sonhos, os bichos, os homens, os diabos, os anjos, os animais. Neste espaço de sobra do forno contava-se histórias. A forma como o figurado foi compreendido mudou com o reconhecimento da artista Rosa Ramalho, artista que representava o diabo e cabeçudos. O seu reconhecimento trouxe uma seriedade para o figurado, começou-se a tratar até figuras de culto, mostrando assim, que o figurado já era digno de histórias mais sérias. Mas o que me interessa na história do figurado é pensar este espaço que era o resto, as peças infantis, com desenhos feios que só eram cozidas no espaço de sobra do forno. Os diabos com formas femininas, e a utilização do simbolos tradicionais folclóricos.

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